quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Onfalocele e gastrosquise


1. Definição e embriologia

A onfalocele é uma bolsa transparente, revestida externamente pela membrana amniótica e internamente pelo peritôneo com uma fina camada de geléia de Wharton entre elas.

Localiza-se no ponto de inserção do cordão umbilical. Possui uma incidência de 1 a cada 4.000 nascimentos, com predominância no sexo feminino (cinco vezes mais do que no sexo masculino).

Quando o saco herniário contém o fígado, o processo envolvido é a falência da fusão dos folhetos ectodérmicos laterais e do fechamento da parede abdominal. Já quando apenas o intestino está presente, ocorre a persistência embrionária do pedúnculo corporal.

A etiologia é ainda desconhecida, embora possa estar relacionada a uma herança autossômica recessiva ou multifatoriais com recorrência familiar ou, ainda, a fatores etiológicos comuns aos defeitos abertos do tubo neural e às onfaloceles.


2. Diagnóstico

O diagnóstico pré-natal da onfalocele, em geral, é realizado ultrassonograficamente, em exames de rotina ou indicados por altos níveis de alfafetoproteína no sangue materno, presente em aproximadamente metade dos casos.

Observaremos o fígado e/ou o intestino fetal recobertos por uma membrana, como uma massa circunscrita se protruindo no ponto de inserção do cordão umbilical. O tamanho da abertura pode variar, sendo considerado pequeno quando inferior a 2,5 centímetros no maior diâmetro e grande se maior que 5 centímetros.

Ascite pode estar presente dentro da onfalocele ou no abdômen e 20% das onfaloceles contêm apenas intestino e líquido. Nesse subgrupo a incidência de anomalias cromossômicas é maior.

Uma onfalocele rota é uma complicação rara, assemelhando-se à gastrosquise, exceto pela presença do fígado e pela inserção do cordão umbilical no centro da massa. A placenta não mostra alterações e, ocasionalmente, detectamos a polidramnia.


3. Anomalias associadas

As malformações associadas estão presentes em mais de 50% dos casos de onfaloceles, incluindo defeitos cardíacos congênitos, extrofia vesical, ânus imperfurado, defeitos de tubo neural, fenda labial com ou sem fenda palatina e hérnias diafragmáticas.

As anomalias cromossômicas estão presentes em aproximadamente 25% dos casos de onfalocele, sendo a trissomia do cromossomo 18 a mais comum, seguida pelas trissomias do 13 e 21.

Sabe-se que a maior incidência das aneuploidias ocorre quando a idade materna é mais avançada, a idade gestacional mais precoce, existindo malformações múltiplas e também com onfaloceles pequenas contendo somente omento ou intestino.


4. Diagnóstico diferencial

Embora o diagnóstico já possa ser suspeitado a partir de onze semanas de gestação, convém repetir o exame com treze semanas, na medida em que cerca de 20% dos fetos apresentam conteúdo fisiologicamente herniado até a 12ª semana. Mas se notarmos a presença do fígado no saco herniário, o diagnóstico já será possível, uma vez que esse achado não é anormal em qualquer período gestacional.

Em alguns poucos casos a onfalocele é visível de forma intermitente, provavelmente agindo como uma hérnia que ocasionalmente retorna à cavidade abdominal. Cabe ressaltar que em casos de hérnia umbilical, sua distinção de pequenas onfaloceles pode ser impossível.

É de extrema importância a distinção entre onfalocele e gastrosquise, pois a última apresenta um melhor prognóstico por menos se associar com outras malformações e cromossomopatias.

Classicamente, a onfalocele possui uma membrana circundante e o cordão umbilical se insere na massa herniada, enquanto a gastrosquise apresenta alças livres na cavidade peritoneal e inserção do cordão umbilical à esquerda do defeito.

Outras condições a serem descartadas incluem extrofia cloacal, cistos da alantóide, Pentalogia de Cantrell, Anomalias do Pedúnculo (Body Stall Anomaly) e Síndrome da Bakwith-Wiedeman.


5. Conduta na gestação

Estudos genéticos para avaliação cromossômica são fundamentais, devendo ser oferecidos logo assim que confirmada a alteração. A ecocardiografia fetal também deve ser realizada em todos os casos, pois é alta a incidência de defeitos cardíacos congênitos associados.

Ultrassonografias seriadas a cada quatro semanas são indicadas para avaliar o crescimento fetal e testes de avaliação da vitalidade fetal só têm indicação quando alterados os padrões de crescimento.

Não são relatadas complicações obstétricas específicas nos casos de onfalocele. Não parece haver vantagem no parto cesáreo, mesmo eletivo, exceção feita aos casos em que grandes lesões possam resultar em distócia fetopélvica.

O parto ideal seria ao termo, em um centro com boas condições para a abordagem neonatal, clínica e cirúrgica.


6. Neonatologia

Na maioria dos casos não é necessária a ventilação assistida logo após o nascimento, com exceção dos casos em que a prematuridade ou anomalias associadas interfiram na adaptação cardiorespiratória e causem insuficiência respiratória. Caso indicada, não devemos usar máscaras ou AMBU, evitando assim uma distensão gasosa do estômago e do intestino.

Não devem ser poupados esforços para se evitar traumas e contaminação do saco da onfalocele. Ele deve ser recoberto com compressas úmidas e mornas, prevenindo, assim, a perda de calor e líquidos, e o tronco colocado dentro de uma bolsa plástica estéril.

Outros cuidados incluem descompressão gástrica através de catéter nasogástrico, hidratação venosa e cuidadosa higiene.


7. Cirurgia

Inicialmente, uma cuidadosa avaliação pré-operatória inclui a procura por anomalias associadas, pois, muitas vezes, elas alteram o prognóstico do neonato, até mesmo contraindicando o procedimento.

Antibióticos de amplo espectro são utilizados no período imediatamente antes ao ato cirúrgico, minimizando as temíveis complicações infecciosas do quadro.

O reparo cirúrgico, em geral, é realizado assim que o quadro clínico estiver estabilizado e a avaliação inicial concluída. Alguns cirurgiões preferem uma conduta clínica, sem cirurgia, nos casos de onfaloceles intactas.

São usadas soluções antissépticas e é aguardado o fechamento espontâneo da hérnia pela "nova" pele resultante, mas a toxicidade dessas soluções e o grande número de aderências abdominais resultantes tornam esse método apenas aplicável aos casos de onfaloceles gigantes, freqüentemente associadas a uma insuficiência pulmonar severa e impossibilidade de correção por espaço intra-abdominal reduzido.

A conduta intraoperatória consiste na remoção do saco amniótico, avaliação de malrotação intestinal e atresias associadas e lise de aderências intestinais. O fechamento primário, fascial e da parede poderá ser realizado se a pressão intra-abdominal não exceder 20mmHg após a redução da herniação. A medida será feita por catéter intravesical ou intragástrico.

Com pressão acima desse limite, serão empregados procedimentos em dois tempos, utilizando-se técnicas como bolsas extraabdominais de material sintético, mobilização de retalhos de pele da lateral abdominal ou mesmo a conduta conservadora já descrita.


8. Prognóstico

O prognóstico é geralmente dependente das malformações associadas e do tamanho do defeito na parede abdominal. Lesões gigantes contendo vísceras sólidas e ocas têm poucas chances de um fechamento completo.

Não havendo outras anomalias, como atresia intestinal, a retomada pós-operatória da função intestinal é imediata. De qualquer forma, o emprego de nutrição parenteral é fundamental até que uma adequada ingesta oral esteja estabelecida.

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